Exposição herança africana


Dividida em quatro linhas narrativas e esculturas monumentais, o projeto expográfico traz sentidos e saberes que visam criar uma reflexão crítica sobre o período da escravidão e suas sequelas, a diversidade dos povos africanos e o reconhecimento da magnitude histórica do lugar.

A exposição à céu aberto foi elaborada por especialistas da cultura negra da diáspora: curadoria de Ynaê Lopes dos Santos, Expografia de Cachalote Mattos, Design de Maria Júlia Ferreira e pesquisa de imagens de João Rafael Santos. Os materiais versam sobre a violência amplificada da escravidão, mas também do consequente apagamento sistemático da origem, presença, importância e ações dos africanos e seus descendentes na construção da história oficial do país. 

Buscando recuperar a centralidade da herança africana, a exposição se baseia no conceito desenvolvido pelo congolês Bunseki Fu Kiau, que parte da cosmologia do povo da África Centro-Ocidental, que diz que o mundo deveria ser apresentado por meio de uma Mandala – conhecida como Diekenga -, que representada os ciclos do tempo, do universo, da vida e de todas as coisas viventes. Cada ciclo, representados por uma cor, são conectados ao mundo espiritual (mundo dos mortos) e ao mundo físico. Esses dois mundos são divididos pela água da Kalunga.


Kalunga

Conceito compartilhado por muitas sociedades centro-africanas é especialmente importante na exposição devido ao seu duplo significado. Kalunga Grande, que remete ao oceano que os africanos escravizados atravessaram, e Kalunga Pequena, cemitério, destino de muitos daqueles que haviam recém feito a travessia atlântica. A água, nesta na cosmologia, representa as etapas iniciais e finais da vida num ciclo que tem especial significado para quase um milhão de africanos escravizados que passaram por uma espécie de “morte em vida” para renascerem em outra condição, numa sociedade que lhes era estranha – início da grande diáspora africana.

Ao conceito desenvolvido por Fu Kiau, alia-se à centralidade da figura do Exú para as religiões de matriz africana. Orixá que faz a ligação entre o Orum (espaço infinito) e o Ayê (o mundo terreno), Exú trabalha nas encruzilhadas, comunicando o mundo espiritual e o mundo dos humanos. Justamente por isso, o conjunto de esculturas será posto na intersecção do cruzamento da Kalunga Grande (oceano) e da Kalunga Pequena (cemitério). 

Para abordar as complexidades que constituem as diferentes dimensões das histórias do Cais do Valongo, a conceituação curatorial da exposição permanente possui três eixos centrais: o primeiro versa sobre a necessidade em reconhecer o caráter hediondo e violento do Tráfico Transatlântico, bem como da força econômica e política que a escravidão teve na história do Brasil; o segundo diz respeito ao reconhecimento dos africanos escravizados como sujeitos históricos, conhecendo suas origens, bem como suas reconstruções identitárias e suas múltiplas formas de resistência; e, por fim, o terceiro eixo aborda a construção do conhecimento histórico de forma crítica, o que significa entender silenciamentos, construções de memória e patrimonialização.

O conteúdo estará disposto a partir de quatro totens temáticos (com duas faces cada) nos quais serão explorados os temas estabelecidos nas oito linhas narrativas por meio de textos, documentos de épocas, imagens e símbolos, que incluem a travessia atlântica, o funcionamento do tráfico, a dinâmica econômica do mercado do Cais do Valongo, o Cemitério dos Pretos Novos, a Pedra do Sal, a luta por liberdade e a configuração da Pequena África.